Desire path, line ou track são caminhos imprevistos criados a partir da preferência de uso do espaço por transeuntes. Esses caminhos desenham rotas informais entre um ponto A e um ponto B que, na prática, mostraram-se mais eficientes do que a rota formal planejada por designers[1]. Além disso, o desire path materializa uma escolha coletiva. Como explica Macfarlane[2], autor de The Old Ways: A Journey on Foot, esses caminhos emergem de uma produção coletiva e do exercício de uma liberdade consensual já que, em suas palavras, “It’s hard to create a footpath on your own” (é difícil criar um caminho com suas pegadas apenas, tradução nossa). Por conta disso, esses caminhos também são considerados “registros de uma desobediência coletiva” e como “táticas criativas de apropriação”[3].

Mas o que isso tem a ver com o uso informal de WhatsApp pelos colaboradores da sua empresa?

Enquanto decisores investem em softwares para gestão de processos e de comunicação entre as equipes (como Teams, Trello, Monday, Operand e o bom e velho email), seus colaboradores criam grupos de WhatsApp baseados em times ou projetos onde são comunicadas, planejadas e tomadas as decisões do dia a dia. Em outras palavras, esses softwares estão para as rotas formais assim como os grupos de WhatsApp estão para o “desire path”. Mas por que o WhatsApp?

Segundo pesquisa[4], o aplicativo já está instalado em 99% dos smartphones brasileiros e é aberto diariamente por 88% deles. Além disso, a comunicação com marcas (para 81% dos usuários) e atendimentos de empresas via chatbot (para 89% dos usuários) também estão alocados no mensageiro. Resumindo, o WhatsApp é onde se concentram as comunicações do cotidiano, com amigos, com a família e agora com marcas e empresas. Por isso, não é de se estranhar que o mensageiro seja “criativamente apropriado” para gerir também a comunicação entre colaboradores.

E agora? Caminhos possíveis para a comunicação entre colaboradores.

Gestores podem optar por manter exclusivamente as soluções formais elegidas para mediar as interações entre suas equipes. Isso demanda incentivar (ou sancionar) e, principalmente, educar colaboradores (agora conectados em formatos presencial, remoto ou híbrido) para corrigirem suas rotas, abandonando a informalidade dos grupos de WhatsApp.

Um outro caminho é reconhecer a relevância dos grupos de WhatsApp para o modus operandi das equipes e aprender com eles. Entender a dinâmica desses grupos é uma oportunidade para avaliar e rever processos: esses grupos foram criados por quem? Com que finalidade? Quem são os membros? Como é o fluxo de informação? Quais cuidados com sigilo e privacidade? Trata-se de uma instância decisória? Qual a efetividade para o negócio? Quais impactos do canal aberto 24h para a produtividade e saúde mental dos colaboradores? A partir desse mapeamento, é possível decidir riscos e oportunidades do uso informal de WhatsApp por colaboradores e identificar se e de que maneira a criação dos grupos é uma resposta à percepção de ineficiência dos processos formais da empresa.

De uma maneira ou de outra, é preciso considerar ainda a hipótese de que, mesmo reprovados pela empresa, os grupos de WhatsApp podem se manter como uma “desobediência coletiva”. Neste cenário, o desafio é tentar trazer, também para esses espaços, práticas de governança. Isso demanda educação e o desenvolvimento de literacias ou habilidades para uso comum dessa paisagem digital.

Da informalidade para a formalidade.

Planejadores e designers já aprenderam sobre a importância do desire path. Por isso optam por abrir espaços para os usuários antes de pavimentarem calçadas e passarelas. Ao contrário, esperaram os caminhos escolhidos na prática pelos usuários emergirem para então formalizar essas escolhas, incluindo-as em seus projetos[5].

Formalizar o uso de grupos de WhatsApp para a comunicação diária entre colaboradores pode ser um passo inviável para muitas empresas, principalmente por questões de proteção de dados e sigilo de informações (vide o risco de o smartphone de um colaborador ser furtado ou perdido).

Ainda assim, a proposta de reconhecer a existência dos grupos de WhatsApp criados por colaboradores e de aprender com essas práticas se mantém como uma tentativa de aproximar projetos de experiências em um processo constante de aprendizado aplicado à governança.

Aproximar projetos e experiências é exatamente o que o LiteraCity faz. A partir de metodologias qualitativas, mapeamos e sistematizamos experiências, transformando “desobediências” e “apropriações criativas” em inputs valiosos para iteração de projetos e processos, incluindo os de gestão corporativa.

Marília Duque
Fundadora e pesquisadora PhD no LiteraCity

 

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Referências:
[1] MALONE, L. Desire Lines: A Guide to Community Participation in Designing Places. 1. ed. RIBA Publishing, 2019.
[2] MACFARLANE, R. The Old Ways: A Journey on Foot. [s.l.] Penguin Books, 2012.
[3] LOUSTAU, N. C.; DAVIS, H. Ouvert/Open: Common Utopias. The Fibreculture Journal, n. 20, p. 123–141, 2012.
[4] Mensageria no Brasil. Mobile Time / Opinion Box. Agosto de 2022.
[5] Bramley, Elliot V. Desire paths: the illicit trails that defy the urban planners. The Guardian. 05 out 2018. Disponível em: https://www.theguardian.com/cities/2018/oct/05/desire-paths-the-illicit-trails-that-defy-the-urban-planners. Acesso em 17 fev 2023.

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